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Foto do escritorJulia Preto

Meu horizonte de eventos

O sábio como astrônomo. - Enquanto sentires

as estrelas como algo "acima de ti" não possuis

ainda o olhar do homem que sabe.

—Friedrich Nietzsche



Essa é uma história sem propósito certo, leia preparado. Alguns a verão como puras lamurias, outros como um brado de emancipação, mas lhe digo, se não existe uma possível falta de propósito numa coisa dessas afinal, que o meu seria oferecer uma sugestão divertida ao final de tudo; conquanto, que faltam coisas sem utilidade em nossa vida útil, acho interessante digressionar. Dito isso, se ainda permanece, comecemos.

Vê as estrelas na noite? Percebe se alguma perdeu-se na imensidão? Um dia eu também as olhei deitada sob pouca luz pensando naquele que eu amei e se ele deleitar-me-ia, posteriormente, dizendo que fizera o mesmo… Veja que nesse branco leitoso de estrelas havia um astro, como num outro dia chamaram-me, que emitiu da mais brilhante luz, sazonalmente fugaz aos mundanos olhares pois cintilavam em sua timidez, de proporções enganosas visto a distância.

— Sabe que não te entendo? Você não é coerente, é, pelo contrário, puro paradoxo. Não te entendo…, dizia ele com certa frequência, notadamente frustrado.

Mas nada passava como reposta nesses momentos, ele vinha deixando um vazio oco, entorpecente. Seria tão ruim não ter sentido algum? Desejei que me desvendasse como um dia os mares chamaram pelos portugueses, entretanto, hoje, diria que me ver um mistério talvez lhe servisse melhor, realmente, pois na ilusória descoberta viera a sensação de direito à extração, de conquista sobre algo indomável.

Apaixonamo-nos por volta de julho, quando o frio pedia pelo calor de um abraço. Admito-lhe que fui a mais arisca das moças que se propuseram, mas ele só tinha olhos para o meu brilho na época, pois, sob aqueles olhos recém encontrados, eu era a mais extraordinária.

— Sabe que vai arrepender-se, não? Não sou de tanto graciosa como pensas, querido. Um dia, justo quando eu me apegar, vais embora, tenho certeza. São todos assim… Eu sou assim.

— Deixe de tantas sandices, boba, és perfeita, tens do mais cintilante brilho, vejo-o agora mesmo! Você ameniza minhas dores! Dou-lhe um abraço e tudo some, o mar é mais calmo, o vendo sussurra cortejos e os problemas escondem-se.

Pouco o meu amor sabia que os mais eficientes analgésicos vêm com a mais extensa bula; pois fui tal qual morfina, e ele amou-me nos primeiros momentos tomando das mais altas doses. Esqueceu-se que os injuriados, aqueles feridos pela vida, tão crua, e tratados com os mais fortes analgésicos, viciam-se; e ele mundano, apesar de não o pensar-se, não foi diferente. Assim, algo que sempre achei que nos traria tamanha dependência, trouxe-me da tristeza que vem com a chuva ou o orvalho pois o que eu era não mais lhe servia depois do efeito cascata. Queria mais, e não posso culpa-lo por tanto, meu brilho tornou-se fraco aos cansados-viciados olhos daquele ser injuriado que fitou o céu por algum tempo. Entretanto digo-lhe, caro leitor, sem rodeios: culpar-lho-ei, pela eternidade, pelos diversos momentos em que feriu o meu ser.

Então aí chegara a Outra Mulher, tão bem chegada e inocente, linda, não era estrela ainda, muito menos mar - ele é fundo e temeroso -, mas maresia, a maresia que chegava aos ouvidos de meu amado para sussurrar-lhe indecências. Continuei a ama-lo por bastante tempo, apesar das intercorrências; amei-o feio como é, animal como somos; amei-o em pecado. Mas sabe aquelas moças mencionadas nas mais casuais conversas numa noite silenciosa, aquelas cujo nome é mencionado e tudo se silencia, pois fora anunciada a chegada dos mais impudicos problemas a serem seguidamente listados, problemas que irromperão o ácido silêncio? Tornei-me uma delas, enquanto a Outra Mulher tornou-se estrela.

— Ela me faz um rei… Entende? Por que não… não me sinto assim contigo, pois então não sei se somos certos. Não te compreendo… Mas ela me compreende.

Ela é a Ordem. Pobre garota, eu por vezes dizia no subsolo vazio de cimento. Voltavam-me somente frígidos ecos que gelam mesmo o coração das feras.

Poderia dizer-te que a desprezo ou que por ela apiedo-me, mas nada disso farei, pois dela só emana indiferença e é, pois, com isso que a olho, ou melhor, “os” olho. Eles brilham o mais forte brilho e isso celebro com furor pois o essencial é invisível aos olhos e, no mistério, há mais clareza.

Sabe, leitor, que uma supernova se forma ao final de uma estrela? À medida que o conteúdo nuclear vai se esgotando numa combustão interna ininterrupta, parte da sua massa migra ao núcleo. Contudo, depois de pelejar abrigar tamanha deposição penosa sobre si, a estrela torna-se incapaz de suportar sua própria força gravitacional. O núcleo, por fim, cede ao colapso e emite sua última luz em uma forma anelar como uma efêmera união. Mas união ao que então, meu contumaz interlocutor? Isso deixo-lhe para lembrardes de mim em algum meandro da vida.

Os últimos momentos de uma estrela no céu são os mais grandiosos, pois seu brilho é de proporções magníficas, mais visível aos olhos opinativos que miram o céu; mais visível, conquanto, pelos mais efêmeros momentos. Posso, então, afirmar-lhe que houve uma época em que entrei em colapso e, como num último espetáculo, mostrei o mais belo brilho visível dentro de mim, fui supernova, o que a siará chama na palmeira do Nordeste. Agora sou algo diferente e congratulo aqueles que isso viabilizaram porque, hoje, eu valho em mim mesma, não no que aparento, hoje, sou algo de pouco nome e muito significado; quem sabe uma singularidade.

Pois então digo-lhe na mais misteriosa sinceridade, quando olhares o céu, mire o preto-azul, mire com o coração ou com a alma através dos olhos, e ali verá, talvez, um buraco negro a engolir mesmo a mais brilhante estrela.

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